como a história é reescrita – Gazeta Bolsonaro

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que disse à revista Time que Zelensky é “tão responsável” pela guerra na Ucrânia quanto Putin| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Apenas para demarcar um lugar e tempo, podemos dizer que a história começou assim e pelo Brasil: os bandidos são os mocinhos e os mocinhos são os bandidos. Para tirar o ex-presidente Lula da cadeia e devolver a ele a chance de voltar a fazer o que sempre fez, seus advogados resgataram uma tese acadêmica segundo a qual o sistema judicial pode ser usado como arma para perseguir inimigos, opositores e até países. Como parte dos esforços, até fundaram uma ONG para dar nobreza à missão nada nobre. Suas tentativas originais de reescrita da história quase sempre caiam no ridículo. Mas tudo mudou depois da espionagem contra a Lava Jato. Os desdobramentos já são conhecidos e não precisam ser repetidos.

A
reescrita da história da Lava Jato criou um Brasil onde há corrupção, mas não
existem corruptores e corruptos. Na história que está prevalecendo, não são os
criminosos e seus crimes que ancoraram o Brasil no atraso, impedindo o país de
aproveitar alguns dos momentos mais auspiciosos de crescimento global. Para a
narrativa que substitui os fatos, o que quase quebrou o Brasil foi o combate à
corrupção. Uma lógica segundo a qual quem mata o paciente de câncer é a
quimioterapia, não a patologia.

A
revista Time desta semana deu palanque para o ex-presidente Lula colocar
um pouco mais de tinta no conto sobre sua versão esquizofrênica e oportunista.
Além, obviamente, de se colocar no altar da política, Lula mostrou que, quando
o deixam falar, suas idiossincrasias são tão portentosas que não há caneta
amiga capaz de neutralizá-las.

Sabe
aquele sujeito que justifica assédio sexual ou até mesmo estupro dizendo “mas
quem mandou ela se vestir assim?”. Então, do alto do altar que a Time montou para Lula, ele não se avexou
em dizer que ninguém faz guerra sozinho e que a Ucrânia é tão responsável quanto
Putin. Mais especificamente, atribuiu a Volodymyr Zelenskyy a culpa pelo
conflito.

A invasão russa na Ucrânia, por sinal, tem servido de pretexto para uma série de barbaridades: Hitler era judeu. Putin é um conservador. O Ocidente está infestado de autocracias globalistas querendo dominar o Brasil. Os judeus são nazistas. A lista anterior jorrou da fonte de propaganda e desinformação russa e por mais que há quem tente explicar – como aqui nesta coluna –, não há quem resolva.

Não faz muito tempo, os bolsonaristas se orgulhavam de exibir a bandeira da Ucrânia (que criminalizou o comunismo), a dos Estados Unidos e a de Israel como símbolos de suas convicções, que iam na linha “nossa bandeira jamais será vermelha” e “o Brasil não vai ser uma Venezuela”. As coisas mudaram tanto desde o início da guerra e da enxurrada de propaganda que absorveram que não seria absurdo se nas próximas passeatas aparecessem bandeiras da Rússia e até mesmo do Irã como símbolos da resistência antiglobalista.

Um giro pelas redes sociais dá pistas disso. A animosidade aos Estados Unidos parece ganhar corpo como resultado de uma reação irracional ao fim do governo Trump e ao desastre que são as relações entre Brasil e Estados Unidos na era Biden. Há absurdos como a afirmação de que o regime dos aiatolás é pacífico e que o Brasil mais cedo ou mais tarde precisa estar com eles para se proteger da influência maligna dos Estados Unidos.


uma enxurrada de sandices, por exemplo, dizendo que o Brasil é o próximo alvo
da invasão dos Estados Unidos e da OTAN. Gente que se leva a sério, tem
centenas de milhares de seguidores, reproduzindo para a base bolsonarista e
para a base lulista a mesmíssima lorota. A prova seria a visita ao Brasil da subsecretária
de Estado Victoria Nuland, para as reuniões de revisão da agenda bilateral
Brasil-EUA, ocorrida no mês passado. Para os russos, Nuland é uma espécie de
Thanos. Por onde ela passa, não resta governo de pé. A razão da campanha de
difamação se deve ao fato de que ela era a subsecretária para a Europa quando,
em 2014, os ucranianos colocaram para fora o então presidente Viktor Yanukovich
– um boneco de ventríloquo de Vladimir Putin.

Repetindo
sem trocar uma vírgula sequer a mensagem ditada pela propaganda russa, esquerda
e direita papagaiavam a mesma tese de que Nuland veio ao Brasil ameaçar o
presidente Jair Bolsonaro e interferir nas eleições. A maluquice ficou ainda
mais robusta com uma matéria da Reuters, que cita fontes em off que teriam
garantido que no ano passado, durante sua passagem pelo Brasil, o diretor da
CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos, teria mandado um recado para
que Bolsonaro não tentasse intervir nas eleições.

O
governo brasileiro nega. O americano não fala sobre o assunto. Mas o negócio
ganhou corpo e é tão esquisito que parece fazer parte do mesmo processo de
corrosão da relação da direita brasileira com o Ocidente e que está empurrando
o Brasil para um eixo formado por uma turma barra pesada.

Até
os esquilos que saracoteiam pelos jardins da Casa Branca sabem que Biden não
vai com a cara de Bolsonaro. O sentimento é recíproco. Também não é demais
pensar que os democratas têm preferência por Lula, mesmo sabendo que ele não é
a melhor opção para relações saudáveis entre os dois países e a região.

Mas
acho que vale um adendo. Em vários aspectos nos Estados Unidos, e
principalmente na política externa americana, não é possível falar que há “um
governo Biden”. As rodas estão sendo giradas por grupos de interesse. E não
necessariamente na mesma direção. O que se vê é um governo de agendas. Quem tem
poder move suas peças conforme os interesses de cada um dos escaninhos da
administração. No meio da bagunça, não falta quem aproveite para tirar
vantagem.

E assim, a história vai sendo reescrita.

como a história é reescrita

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