O instrumento da medida provisória (MP), criado pela Constituição de 1988 para o presidente da República “legislar” em situações excepcionais, é habitualmente contestado por políticos e especialistas em administração pública. Eles consideram o sistema banalizado e um caminho para que o Poder Executivo “roube” competências que são, via de regra, do Congresso Nacional. As críticas vão desde a edição de MPs sem atendimento aos critérios de “urgência e relevância” até a forma de tramitação no Legislativo.
Apesar disso, porém, o modelo de MPs tem poucas chances de ser alterado – ao menos no curto prazo. Projetos na Câmara e no Senado sobre o tema estão empacados. Uma proposta de emenda à Constituição (PEC), que transforma o rito de tramitação das MPs no Congresso e aprovada pelos parlamentares, aguarda promulgação desde junho de 2019.
A promulgação é a última etapa da passagem das PECs pelo Congresso e costuma ser um ato meramente burocrático, uma vez que todas as fases de debate e votação já foram superadas. Porém, nem o ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e nem o atual, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sinalizaram com a promulgação.
A alteração no modelo de MPs também não figura entre os assuntos prioritários para os atuais candidatos a presidente da República. O tema não apareceu em entrevistas recentes dos presidenciáveis e também não consta nos programas de governo apresentados pelos candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A publicação de uma MP é atribuição exclusiva do presidente da República. Uma vez editadas, as normas têm força de lei e validade imediata. Porém, para que esta validade se transforme em algo definitivo, a MP precisa ser transformada em lei pelo Congresso Nacional. Deputados e senadores têm um prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, para deliberar sobre as MPs.
Se não houver manifestação do Congresso, a medida perde sua validade, e o governo não pode editar outra com o mesmo teor durante o mandato do presidente. O prazo de 60 dias no Congresso não especifica quanto deste tempo é destinado à Câmara e quanto é ao Senado. Como a tramitação obrigatoriamente se inicia pela Câmara, os senadores, em algumas ocasiões, recebem as MPs com poucos dias antes de sua expiração, e se queixam de não disporem de tempo hábil para debater o texto.
A advogada Priscila Lima Aguiar Fernandes, especialista em Direito Administrativo e membro da Comissão de Direito Constitucional da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), avalia que as MPs são utilizadas, atualmente, “de forma desmedida”. “O que nós vemos hoje é a edição de MPs sem que haja o cumprimento do requisito de relevância e urgência”, destacou.
Já o também advogado Camilo Onoda Caldas, também especializado em Direito Administrativo, pondera que o modelo atual, apesar de conter defeitos, é melhor do que os existentes anteriormente no Brasil. Na sua avaliação, a Constituição de 1988 e uma emenda promulgada em 2001 disciplinaram a edição de MPs e criaram restrições importantes.
Bolsonaro é recordista de MPs, mas pandemia justifica quadro
O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, emitiu mais medidas provisórias do que os seus antecessores recentes no cargo. Foram 264 MPs assinadas por Bolsonaro desde o início do mandato até 24 de agosto último.
A pandemia de coronavírus é um dos fatores que justifica o elevado número de MPs sob Bolsonaro. Em 2020, ano do início da crise sanitária, o presidente editou 108 MPs. No ano seguinte, quando os impactos da pandemia eram ainda complexos, foram 70 medidas provisórias. As normas abordavam temas como a abertura de créditos para o combate à doença, a abertura de crédito para empresas, o compartilhamento de dados entre o governo e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre outros pontos.
O “excesso” de MPs, especialmente nos meses iniciais de 2020, chegou a ser compreendido até por integrantes da oposição, como o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
O presidente, porém, editou duas MPs que foram devolvidas pelo Congresso ao Executivo. A situação é rara, e se justifica por uma suposta inconstitucionalidade na proposta feita pelo presidente.
Uma das MPs devolvidas dava ao governo o direito de indicar reitores de universidades federais sem que fosse feita uma consulta às instituições. E a segunda, mais controversa, criava barreiras para que as redes sociais removessem de suas plataformas conteúdos qualificados como “fake news”.
PEC que muda rito de medida provisória aguarda o carimbo final
A proposta que foi aprovada pelo Congresso, mas não foi posta em prática, é a PEC 91, de 2019. O projeto determina que, em vez do prazo atual de 60 dias no Congresso prorrogáveis por mais 60 e sem especificação de como a medida deve tramitar em cada uma das casas do Legislativo, passaria a valer a contagem da seguinte forma: 40 dias sob uma comissão mista formada por deputados e senadores; 40 dias pela totalidade dos deputados; 30 dias pela totalidade dos senadores, para votação final; e, se os senadores modificassem o texto da norma, mais 10 dias para apreciação dos deputados. Nenhum desses prazos é prorrogável.
A PEC 91 foi aprovada com euforia naquele ano, em especial por parte dos senadores. A falta de promulgação, porém, impediu que a proposição se tornasse efetiva. “Não há justificativa plausível para tanto e acaba por favorecer o uso abusivo de medidas provisórias pelo chefe do Executivo”, criticou a advogada Priscila Fernandes. Já o advogado Camilo Caldas aponta que podem ter ocorrido mudanças no texto durante a tramitação da PEC pelo Senado, o que despertou queixas por parte dos deputados e a necessidade de uma reanálise.
A Gazeta do Povo consultou o atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e seu antecessor, Davi Alcolumbre, mas não obteve resposta. O espaço permanece aberto.
Outro projeto em tramitação no Congresso visa limitar a cinco o número de MPs que o presidente pode editar por ano. Esta proposta, porém, não chegou a avançar dentro da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado.
por que modelo de edição de MPs é alvo de críticas
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